Necrológio do Amigo

Despediu-se no ano de 1936 a morte o levando
no dia aniversário de Zalix e de D. Idalina.
- Tantas da noite, hora e minuto talvez de quando nascia, a sua parede e meia com a minha casa, Célia Maria, única entre cinco irmãos, filhinha da casa Floriano e Dorinha Dantas.
Certo que o lembrarei:
Era Joquinha Rufino e era meu amigo.
As águas do Piató não lavarão mais o seu corpo, ao meu pobre amigo.
Não espraiará mais seu olhar ao longo das vazantes e o emaranhado de outros verdes.
A cabeça do potro não terá mais o cabresto pra puxado pelas suas mãos peritas e recalcitrantes.
Era a voz concludente:
E o ano de 1957 para um bom inverno no que de bom ao nosso velho conceito nordestino.
As areias da estrada não marcarão mais ao seu cavalo o passo amestrado e ligeiro.
O cão companheiro não estará mais para servir-lhe de companhia.
Na bússola da noite as estrelas serão para não mais encontrá-lo recostado ao poste enfincado prestes à biqueira da sua casa.
Tinha as manhãs que eram um levantar cuidadoso pela madrugada.
Errelhado o bezerro, tirado ao curral o leite da vaca,
água a chaleira, o fogo matinal com que acendia o cigarro.
Crescia na sua faina o cuidado cauteloso do cordeame e da enxada.
Caminho do cercado, a calça em remendos, pobre,
pobre, no bolso, o pouco oscilante de desencontradas moedas.
Vadeava nas águas o tresmalho das redes
reluzentes de peixe os jacás apipados.
E de um pulo à cangalha, o mulo ao peso da carga,
casa a casa lá ia, justo ao par da conversa um negócio ajustado.
Vezes que demorava, presos os olhos ao ir e vir dos chiqueiros.
Berros de cabras, o balir das ovelhas alvoroçadas.
Um pau que levantava e a porteira que se abria à saída dos bodes.


Ao enterro comigo gente da sua amizade
conhecidos modestos muitos sem linha de parentesco.
Retirado ao caixão, porque do que expresso pela sua vontade.
- Terra sobre ele, terra e mais terra,
e o sino a badalar na expressão de dizê-lo para a última morada.
Tinha o ventre crescido, a pele a cobrir as poucas
e pobres carnes do corpo.
Magros e afilados os dedos
quietos os olhos silenciosos e adormecidos.
O seu corpo para ruído da concupiscência dos vermes
portas da morte, a vida que se abrirá para um novo relâmpago.

Estará nos seus dias em que para de companhia
as raízes companheiras.
Rosa talvez não o lembrará,
a sua lembrança alcançada dos anos.
As suas roupas puídas, as suas redes de pescar,
o bote pequeno que tangia nas águas.
Seu corpo estirado será maior, inflado de rugas
infiltrado das águas.

- A terra mãe para o acariciar,
nem frio nem calor sobre os seus ossos
e ele descansará.
Era Joquinha Rufino e era meu amigo.

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João de Azevedo Leite deixou escritas as suas últimas disposições.
Não sei terá porventura errado:
A sua humanidade é que era grande na sua inadvertência de generosidade.

De Poética. Ed FJA 1975

Still photo Copyright by Leonila Maria, 2008

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